quinta-feira, 29 de março de 2012

Educação a Distância

Um vídeo da designer instrucional e estudante de cinema Daniela Ioppi, trazendo um apanhado sobre a dinâmica dos cursos a distância oferecidos pelo Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina. Para os que têm pouca intimidade com a Educação a Distância (Ead), o vídeo oferece um panorama dos papéis dos diferentes agentes do processo pedagógico.


Agradeço a Raquel D'Ely e Donesca Xhafaj pela ajuda que me deram para que eu tivesse acesso ao material.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Memórias do Deserto

Por Milena Argenta, antropóloga [i]


“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

(José Saramago – Viagem a Portugal)


Deserto. Terra de pura possibilidade, de desejo e medo. Inacessível, inexistente, um objeto de divagação, uma negação que gera tamanha ansiedade com a possibilidade imaginativa que ele oferece e ao mesmo tempo nega, pela impossibilidade de dominá-lo, de visualizar o outro lado. Sua inacessibilidade é assustadora e tem um papel determinante em nossa percepção daquilo que, ingenuamente, tomamos por acessível, que podemos perceber, vivenciar, tocar. Imaginável, porém, o inacessível se torna elusivo: a partir da ausência, daquela presença imaginada, construímos nossas percepções do que se mostra aos nossos olhos[ii]. Como não se fascinar com a irrealidade do deserto, sua possibilidade, o jogo de real e miragem que ele propicia?

Com este fascínio, mistura de euforia e medo, parti rumo ao outro lado do Atlântico. Lá, entre as dunas de areia do deserto do Namibe e o município do Tômbua, a savana extensa que se espalha do Virei ao Kuroca e mais ao sul até o Iona, confrontei a minha África imaginada, musicalmente idealizada e ao mesmo tempo depreciada pelos olhares obscuros que circulam do lado de cá, com a África dos sujeitos reais, que constroem seus caminhos ao longo da caminhada, improvisam com criatividade num cotidiano culturalmente rico, guiados por uma sabedoria ancestral que se renova a cada passo. Há, certamente, muitas Áfricas, urbanas e globalizadas, tecnológicas, dos Iphones, Ipads, Land Rovers e demais artigos de luxo que do lado de cá imaginamos como exclusivamente nossos. Há sim a África que ainda sofre com o peso de um colonialismo que nunca acaba, da exploração desgovernada, da pobreza, das doenças e outras mazelas, mas esta é a África que o resto do mundo pensa que já conhece. O meu convite aqui é para viajarmos por uma África que é muito minha, já que as histórias são sempre contadas a partir dos olhos de quem vê e constrói uma narrativa. Mas é também a África dos pastores do sudoeste de Angola, que se deslocam em transumância entre o deserto, a savana e a estepe, uma região de extensas terras comunais e pastagens naturais, de belezas exuberantes.


Foto 1: Detalhe da mãe que leva seu bebê às costas. Região do Kuroca, província do Namibe, Angola. Setembro de 2011.


Extremo sul de Angola, sob um sol que arde e distorce os contornos do horizonte distante, dunas de areia reluzem em dourado brilhante, crescem e desaparecem, movem-se com o vento em formas mutantes, estendem-se para além do alcance dos olhos ansiosos. A vista é horizontal e extensa, rasgada, é a paisagem que conduz o olhar. Uma leitura só possível: “largar o olhar pela esteira oblíqua dos ocres que se cruzam vastos e rasteiros, velozes, sem fim nem começo, uns derramados de outros, depois soltos, a renovar matizes ao sabor do vento”[iii]

Foto 2: Casas na à beira da lagoa, no oásis de Njambasana, Kuroca, Namibe. Outubro de 2011.


A oeste, próximo à costa, formam-se oásis e se precipitam lagoas de sal. É onde vai beber o gado conduzido por um pastor há dias em transumância, a procura de água e sal ao sol. Está em busca das pastagens naturais que ele bem sabe onde e quando lhe convém encontrar, e conduzir até lá o gado do qual toma conta, do seu pai ou do seu avô, algumas cabeças são suas, recebidas como herança no funeral de seu tio materno.

Foto 3: Bezúa, jovem pastor em sambo no Kuroca. Setembro de 2011.


É jovem ainda, deleita-se em algazarras libidinosas com meninas também em idade de sexualidade irreprimível e ansiosa, e descansa nos sambos, acampamentos que acolhem os pastores após longos dias e noites silenciosas de trânsito. O gado é a jóia em torno da qual giram os mistérios destes lados e por isso é acumulado e não consumido. É a ele, disperso, espalhado nas mãos de muitos homens e em quantidade muito maior do que o que se mantém aos seus pés, que se deve toda a riqueza de um homem do deserto.

Foto 4: Gado da região do Iona, extremo sul da província do Namibe. Novembro de 2011.


Por caminhos de areia e arbustos secos de acesso restrito aos caminhantes, no máximo aos ruminantes, elas surgem às vistas... filhas da areia escaldante e do horizonte, crestadas pelas nuances das miragens, afagadas pelo sol. As mulheres exibem um caminhar lento, jamais com pressa, uma arte de andar leve e ao mesmo tempo firme, com seus rebentos presos às costas, equilibrando trouxas, bacias ou maços de lenha no topo da cabeça.

Foto 5: Mulheres transportando galhos para a construção de uma casa. De trás para frente: Kai, dona Joaquina Muantengulila e Ana Paula Tuya. Kuroca, Namibe. Setembro de 2011.


Os corpos perfumados e ornamentados com panos, contas, pulseiras, tiras de couro, braços e pernas, sorridentes, fortes. São elas que transmitem às gerações seguintes as linhagens que unem grupos e designações étnicas diversas, Kuvale, Himba, Curoca ou Kwepe, em famílias mais amplas que se espalham por um vasto território de cultura pastoril.

Foto 6: Mukaakito. Kuroca, Namibe. Setembro de 2011.


Foto 7: Bavaluluca. Kuroca, Namibe. Setembro de 2011.


As crianças aprendem desde pequenas a pastar o gado, a reconhecer cada uma das plantas e arbustos que os cercam, percebem a presença oculta de animais selvagens em rastros e pegadas na areia, numa relação de respeito e interdependência com um ambiente que lhes serve de casa e se mostra tantas vezes hostil aos que não dominam desde muito cedo, como eles, os mistérios deste deserto. Crescem sob o cuidado e a proteção dos ancestrais, que lhes aparecem em sonhos, lhes guiam nos tratamentos e na cura, lhes acompanham em espírito pelos caminhos que escolhem ao longo da vida.

Foto 8: Crianças jogando Huela na região do Kuroca, Namibe. Setembro de 2011.


Em três meses vivendo nessas terras, sentada ao redor do fogo em noites frias, comendo da mesma panela, dormindo sobre a mesma areia fofa, tive meu encontro com o outro. Um encontro de curiosidades recíprocas, na verdade, entre dois outros e dois eus. Os de antes profundamente transformados nos de agora, ainda muito e cada vez mais curiosos. Deixei Angola com um senso de aproximação ao inacessível, o inesgotável que me causa ainda certa angústia, mas que expandiu enormemente meu horizonte de imaginação, meu desejo, um anseio por novos encontros – efeito primordial e fascinante, o valor inestimável do ato de viajar.


Créditos das fotos:

Os direitos autorais de todas as imagens são de Milena Argenta. Nenhuma delas pode ser copiada ou publicada sem autorização prévia.


[i] Agradecimentos especiais ao programa de pós-graduação em antropologia social, da universidade federal de Santa Catarina; ao Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas (NUER/UFSC); e ao Centro de Estudos do Deserto (CE.DO), no Namibe, Angola, que viabilizaram minha viagem ao sudoeste de Angola.

[ii] Elocubrações de Victor Crapanzano (2005), em “Horizontes Imaginativos e o aquém e além”. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, V. 48 Nº 1.

[iii] Palavras de Ruy Duarte de Carvalho (2000), em “Vou lá visitar pastores: exploração epistolar de um percurso angolano em território Kuvale (1992-1997)”. Rio de Janeiro: Gryphus.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Músicos Mundo Afora

Nesta semana, trago quatro vídeos distintos de projetos e experimentações musicais.

Primeiro, tem o vídeo oficial do "Eutopía - Festival Internacional de la Creación Joven", realizado na Espanha, com o goiano Fábio Sabiá.

Em seguida, tem um dos vídeos de Erik Dijkstra pelo projeto MIMA Music, uma organização intercultural que oferece oficinas de música em comunidades ao redor do mundo.

O terceiro vídeo foi especialmente feito para o "Gente Como a Gente" pelo músico experimental Peter Gosweiler, que já se apresentou em diversas partes do mundo.

O post termina com o vídeo do grupo Margem Esquerda, que foi um espetáculo que unia poesia, música e dança para criar uma linda mistura de ritmos brasileiros.









Para os que ficaram interessados nos músicos e/ou projetos, aqui vão alguns endereços:

Fábio Sabiá - www.fabiopoeta.blogspot.com
Festival Eutopía - http://www.festivaleutopia.org
MIMA Music - www.mimamusic.org
Peter Gosweiler - http://www.youtube.com/user/petergossweiler
Margem Esquerda - http://margeandopoesia.blogspot.com

quinta-feira, 8 de março de 2012

Globalizados e Digitalizados



O ano era 1994. Eu era um adolescente de recém-completados 14 anos e fui, acompanhado de minha mãe (ou teria sido meu tio Romero?), até a Universidade Federal da Paraíba – Campus 2, atual Universidade Federal de Campina Grande. Minha mãe (ou meu tio, enfim) me levou até uma sala onde, pode-se dizer, me deparei pela primeira vez com um dos processos que estavam mudando a maneira da gente entender e experimentar o mundo. Na sala, havia um computador com tela preta e letras verdes que traziam a mensagem escrita pelo meu pai desde Newcastle upon Tyne, na Inglaterra. A mensagem era simples; dizia onde iríamos morar, estudar, e como era a vida naquela cidade que seria nosso lar (meu, dos meus pais e dos meus irmãos) pelos próximos 3 anos. Respondi e perguntei à pessoa que tomava conta do computador quanto tempo levaria até que meu pai recebesse a resposta. “Já está lá”, disse ele. Eu não acreditei.

Doze anos depois (3 em Newcastle, 1 em Campina Grande, minha terra natal, 6 em João Pessoa, e 2 em Florianópolis), uma outra experiência internacional me esperava: estava para embarcar para os Estados Unidos, país que sempre quis visitar. O fato de que ia para ser professor de uma escola pública já era interessante por si só, visto que mostrava que o tamanho fluxo de informações e de idéias que havia me deslumbrado tanto doze anos antes naquela sala de computador já se transformara em um fluxo de pessoas há muito tempo – algo que eu bem deveria saber, visto que a Inglaterra dos anos 90 em que vivi era um país que passava por este mesmo processo. O que mais me deslumbrava nos Estados Unidos, no entanto, era o quão pouco eu realmente entendia sobre este fluxo. Explico: para mim e para minha família, a experiência de viver na Inglaterra dos anos 90 era uma de deslocar-se fisicamente, culturalmente e linguisticamente, mas não nas esferas social e acadêmica. Eu e meus irmãos, por exemplo, já sabíamos o que era estudar, ler um livro, ter acompanhamento dos pais em casa. Questões linguísticas e culturais foram os únicos obstáculos que tivemos que superar, e nós nos fascinávamos com o desafio.

Meus alunos no lindo estado da Carolina do Norte, no entanto, também tinham que deslocar-se academicamente e socialmente para um mundo que ainda não os pertencia. Trabalhei com crianças que vinham de campos de refugiados, que nunca tinham estudado, que haviam salvado amigos menores em incêndios, que se juntavam a gangues na busca por algo ou alguém que os entendesse e que algumas vezes eram tirados de sala de aula para receberem a notícia de que os pais haviam sido presos. Visitei, juntamente com a assistente social da escola, inúmeras casas que não pertenciam, e nunca pertenceram, ao sonho americano – muito pelo contrário, eram lugares onde qualquer um de nós (eu, os funcionários da escola e os leitores do blog) jamais sequer pensaríamos em morar.

Aos poucos, enquanto eu ia refletindo sobre as condições deles e a minha, eu ia me dando conta de que a vida contemporânea de digitalização e diminuição das barreiras espaço-temporais é algo humano, no sentido de que envolve pessoas, sentimentos e vidas. Para muitos dos meus agora ex-alunos, talvez uma das maiores dificuldades seja se adaptar a novas exigências e, em alguns casos, à saudade de uma terra para onde não podem voltar. Para mim e para muitos como eu, fica a dualidade de sentimentos daqueles que se deslocam com certa facilidade, que constroem novos mundos e novos lares, e que gostam de viver esta vida de movimento, mas que já não têm o sentimento de pertencimento a este ou aquele lugar, e têm que viver com a saudade constante de lugares, cheiros, rostos e gostos. Em outras palavras, viver longe da minha esposa por um tempo, de minha família, e de muitos dos meus melhores amigos (dentre os quais fui um dos primeiros a sair de casa) me fez conviver com o entendimento de que, sim, o mundo havia ficado pequeno demais para nós, como me disse certa vez em São Paulo meu amigo Renato Catsro, que vive na China; mas me fez também chegar à conclusão de que ele também continua sendo enorme para mim e para muitos. Se é verdade que as barreiras entre as conversas de amigos e amores e os contatos entre parceiros comerciais diminuíram com tecnologias como o Skype e o Facebook, é verdade também que as distâncias entre os beijos, abraços, as conversas no bar, os brindes, as tocadas de banda e os sorrisos podem aumentar exponencialmente.

Não me entendam mal; hoje, esta dualidade faz parte de quem eu sou, e posso dizer que não só a entendo (até certo ponto), mas a aprecio e às vezes até a busco, pois sinto que ela, dualidade que é, me traz um certo equilíbrio. E foi exatamente ela que me motivou a começar esse projeto/hobbie do “Gente como a Gente.” Em cada novo lar que me abraça (e que abraço), conheço muita gente nova que tem histórias e opiniões interessantes para compartilhar, ao mesmo tempo que vejo que as pessoas de quem estou distante também vão vivendo coisas novas e criando mundos diferentes, aos quais talvez eu nunca pertença. Portanto, nada melhor, na minha opinião, que usar aquela ferramenta que conheci aos 14 anos para compartilhar algumas visões e experiências com as quais temos nos encontrado.

Não sei por quanto tempo continuarei com o projeto, mas espero que curtam esta “segunda temporada.” O formato mudou bastante, pois não consegui (e nem tentei) gravar uma conversa sequer; mesmo assim, consegui compilar um material bem legal (entre escritos, imagens, e gravações de áudio e vídeo) de pessoas que, de uma forma ou outra, estão ligadas a um momento lindo e definitivo na minha vida: os meus anos na Ilha de Santa Catarina, mais conhecida como Florianópolis – uma cidade onde vivi por apenas dois anos, mas que me deu uma nova visão de mundo e perspectiva sobre o que e quem eu quero ser.

Ah, e espero também que comentem bastante, para trocarmos algumas figurinhas, por mais próximo-distantes que estejamos…

Créditos:
Imagem do digitalart
website: http://www.freedigitalphotos.net/images/view_photog.php?photogid=2280