quinta-feira, 8 de março de 2012

Globalizados e Digitalizados



O ano era 1994. Eu era um adolescente de recém-completados 14 anos e fui, acompanhado de minha mãe (ou teria sido meu tio Romero?), até a Universidade Federal da Paraíba – Campus 2, atual Universidade Federal de Campina Grande. Minha mãe (ou meu tio, enfim) me levou até uma sala onde, pode-se dizer, me deparei pela primeira vez com um dos processos que estavam mudando a maneira da gente entender e experimentar o mundo. Na sala, havia um computador com tela preta e letras verdes que traziam a mensagem escrita pelo meu pai desde Newcastle upon Tyne, na Inglaterra. A mensagem era simples; dizia onde iríamos morar, estudar, e como era a vida naquela cidade que seria nosso lar (meu, dos meus pais e dos meus irmãos) pelos próximos 3 anos. Respondi e perguntei à pessoa que tomava conta do computador quanto tempo levaria até que meu pai recebesse a resposta. “Já está lá”, disse ele. Eu não acreditei.

Doze anos depois (3 em Newcastle, 1 em Campina Grande, minha terra natal, 6 em João Pessoa, e 2 em Florianópolis), uma outra experiência internacional me esperava: estava para embarcar para os Estados Unidos, país que sempre quis visitar. O fato de que ia para ser professor de uma escola pública já era interessante por si só, visto que mostrava que o tamanho fluxo de informações e de idéias que havia me deslumbrado tanto doze anos antes naquela sala de computador já se transformara em um fluxo de pessoas há muito tempo – algo que eu bem deveria saber, visto que a Inglaterra dos anos 90 em que vivi era um país que passava por este mesmo processo. O que mais me deslumbrava nos Estados Unidos, no entanto, era o quão pouco eu realmente entendia sobre este fluxo. Explico: para mim e para minha família, a experiência de viver na Inglaterra dos anos 90 era uma de deslocar-se fisicamente, culturalmente e linguisticamente, mas não nas esferas social e acadêmica. Eu e meus irmãos, por exemplo, já sabíamos o que era estudar, ler um livro, ter acompanhamento dos pais em casa. Questões linguísticas e culturais foram os únicos obstáculos que tivemos que superar, e nós nos fascinávamos com o desafio.

Meus alunos no lindo estado da Carolina do Norte, no entanto, também tinham que deslocar-se academicamente e socialmente para um mundo que ainda não os pertencia. Trabalhei com crianças que vinham de campos de refugiados, que nunca tinham estudado, que haviam salvado amigos menores em incêndios, que se juntavam a gangues na busca por algo ou alguém que os entendesse e que algumas vezes eram tirados de sala de aula para receberem a notícia de que os pais haviam sido presos. Visitei, juntamente com a assistente social da escola, inúmeras casas que não pertenciam, e nunca pertenceram, ao sonho americano – muito pelo contrário, eram lugares onde qualquer um de nós (eu, os funcionários da escola e os leitores do blog) jamais sequer pensaríamos em morar.

Aos poucos, enquanto eu ia refletindo sobre as condições deles e a minha, eu ia me dando conta de que a vida contemporânea de digitalização e diminuição das barreiras espaço-temporais é algo humano, no sentido de que envolve pessoas, sentimentos e vidas. Para muitos dos meus agora ex-alunos, talvez uma das maiores dificuldades seja se adaptar a novas exigências e, em alguns casos, à saudade de uma terra para onde não podem voltar. Para mim e para muitos como eu, fica a dualidade de sentimentos daqueles que se deslocam com certa facilidade, que constroem novos mundos e novos lares, e que gostam de viver esta vida de movimento, mas que já não têm o sentimento de pertencimento a este ou aquele lugar, e têm que viver com a saudade constante de lugares, cheiros, rostos e gostos. Em outras palavras, viver longe da minha esposa por um tempo, de minha família, e de muitos dos meus melhores amigos (dentre os quais fui um dos primeiros a sair de casa) me fez conviver com o entendimento de que, sim, o mundo havia ficado pequeno demais para nós, como me disse certa vez em São Paulo meu amigo Renato Catsro, que vive na China; mas me fez também chegar à conclusão de que ele também continua sendo enorme para mim e para muitos. Se é verdade que as barreiras entre as conversas de amigos e amores e os contatos entre parceiros comerciais diminuíram com tecnologias como o Skype e o Facebook, é verdade também que as distâncias entre os beijos, abraços, as conversas no bar, os brindes, as tocadas de banda e os sorrisos podem aumentar exponencialmente.

Não me entendam mal; hoje, esta dualidade faz parte de quem eu sou, e posso dizer que não só a entendo (até certo ponto), mas a aprecio e às vezes até a busco, pois sinto que ela, dualidade que é, me traz um certo equilíbrio. E foi exatamente ela que me motivou a começar esse projeto/hobbie do “Gente como a Gente.” Em cada novo lar que me abraça (e que abraço), conheço muita gente nova que tem histórias e opiniões interessantes para compartilhar, ao mesmo tempo que vejo que as pessoas de quem estou distante também vão vivendo coisas novas e criando mundos diferentes, aos quais talvez eu nunca pertença. Portanto, nada melhor, na minha opinião, que usar aquela ferramenta que conheci aos 14 anos para compartilhar algumas visões e experiências com as quais temos nos encontrado.

Não sei por quanto tempo continuarei com o projeto, mas espero que curtam esta “segunda temporada.” O formato mudou bastante, pois não consegui (e nem tentei) gravar uma conversa sequer; mesmo assim, consegui compilar um material bem legal (entre escritos, imagens, e gravações de áudio e vídeo) de pessoas que, de uma forma ou outra, estão ligadas a um momento lindo e definitivo na minha vida: os meus anos na Ilha de Santa Catarina, mais conhecida como Florianópolis – uma cidade onde vivi por apenas dois anos, mas que me deu uma nova visão de mundo e perspectiva sobre o que e quem eu quero ser.

Ah, e espero também que comentem bastante, para trocarmos algumas figurinhas, por mais próximo-distantes que estejamos…

Créditos:
Imagem do digitalart
website: http://www.freedigitalphotos.net/images/view_photog.php?photogid=2280

4 comentários:

  1. Olhe aqui seu cabra da peste, sua adorada esposa que lhe aguente por que tu é mais liso que tainha, esse papo de dualismo não me convence não..rs

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  2. hahahahaha... pior é que nem é só dualismo... é trialismo, qudrialismo, polialismo, já que os lugares são tantos...

    abrç...

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  3. Oi Dudu, ótimo texto! Realmente a gente não sabe mais se a tecnologia e globalização nos aproxima ou nos afasta. Como tu bem colocou: ambos!! Muito sucesso nesse novo ano de 'Gente como a gente', beijos

    Donesca

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  4. Isso aí, Du, os lugares são muitos, sim, graças a Deus!!! e viva a segunda temporada do blog, meu lindo! ;-)
    Aline

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