quinta-feira, 31 de maio de 2012

Floripa e o pedal: uma crônica, uma denúncia


Por Igor Gadioli



O entardecer da ilha chega na hora do rush. Uma garoa fina cai do céu fechado. As vias são dos carros, mas isso não impede minha presença na rua, e agora paro minha bicicleta no sinal. Montado na magrelinha em uma brecha apertada de asfalto, me sinto um bicho acuado pelo ronco das máquinas; enquanto o pé espera no chão e o olho espera a luz verde, uma sarjeta profunda aguarda no caminho. Tento pensar rápido, não quero deixar que os motores ao meu redor pensem por mim.

A sarjeta é perigosa e ocupar a rua é um risco - visto da minha engrenagem orgânica, carros em movimento são velozes toneladas de ferro, e nada mais; são ameaças impacientes. O sinal abre e eles agora fluem rasantes ao meu guidom, até que um retrovisor toca meu casaco rapidamente. É como se um segurança de bar encostasse em meu ombro, num desafio velado: você pode conosco?

Não posso com eles. A seguir do toque, vacilo para a direita e esbarro na guia. Pulo para fora do selim com os olhos saltados, agarro a bicicleta com as mãos e, num arranque, estou na calçada. Enquanto assisto a dezenas de carros engolirem minha brecha de rua, monto novamente na bicicleta e já começo a esquecer do susto, imprudência quase necessária para um ciclista na ilha. Calçadas vazias me deixam terminar mais uma viagem a salvo, um dia por vez.

A salvo até quando? De acordo com o Código Nacional de Trânsito, as bicicletas são veículos e têm direito de transitar na malha viária no sentido do fluxo de carros e com 1,5 metro de distância guardada desses carros, independente da existência de ciclofaixas. Mas quem leva isso a sério? Em Florianópolis, motoristas são pouco gentis com ciclistas e pedestres, e a distância de 1,5 metro prova-se uma piada de mau gosto em qualquer pedalada.

Um estudo de 2009 feito na UnB indica Floripa como a capital de pior mobilidade nacional. A cidade tem hoje 40 km de ciclovias, mas são 40 km quase inúteis para se chegar ao trabalho ou ao mercado. São 40 km quebrados em trechos isolados entre si de até menos de 4 km, respingados por uma cidade tomada de engarrafamentos diários. Perto de uma dessas ciclovias, dois ciclistas foram mortos só no início de 2012. E outros, muitos outros, vivem a tensão dos carros rasantes dia após dia, à mercê de um toque de retrovisor ou um golpe violento de para-choque para, enfim, descerem do selim e se juntarem, resignados ou não, à imponente tropa de fumaça e metal.

Créditos:
Imagem disponível através do site http://www.freedigitalphotos.net

4 comentários:

  1. Legal Igor. É esse o sentimento que tenho todos os dias ao sair de casa com a magrela. Desrespeito e a necessidade de invadir as calçadas para me proteger.

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  2. Fui pedestre em Floripa durante os 6 anos que morei lá, e o desrespeito de (muitos) motoristas de carro tanto com pedestres quanto com ciclistas é vergonhoso... Faço votos que melhore. Aline

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  3. Uma tristeza que os mesmos problemas se repetem em nosso lindo país! Por isso devemos sempre ir às ruas, mesmo com toda adversidade que sofremos, faz-se necessário sermos firmes e contrários a este sistema tão insano e até desumano!!!

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  4. Quer dizer que o texto é seu? Muito legal.
    Vou dar inicio ao meu artigo de opinião.

    Endy

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