quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sexo: Tabus, Preconceitos e Mídia

Deseo - Desire

Letícia Fernández é o pseudônimo de uma jornalista de 30 anos que atua em São Paulo e que criou o blog “Cem Homens.” Quando o blog começou, a proposta de Letícia era relatar sua meta de fazer sexo com cem homens em um ano. A ideia chamou muito a atenção do público e da mídia e o blog virou um sucesso; dentre outras coisas, Letícia foi entrevistada pela revista Playboy, teve reportagem na revista Época e seu blog tem mais de 100 mil acessos diários.

No entanto, o blog tem gerado muitas situações polêmicas. E foi através da mais recente delas que tomei conhecimento sobre o blog e sobre a Letícia. Na semana passada, a Rádio Globo veiculou uma entrevista com a jornalista, o que até aí não é nenhum stress. O problema foi que a entrevistada não era a Letícia. A situação tomou uma proporção muito grande para a jornalista e foi amplamente exposta por diversos veículos da mídia, a ponto de que a Rádio Globo emitiu um pedido público de desculpas pelo ocorrido.

O engraçado em tudo isso é que contactar a verdadeira Letícia não é nenhuma tarefa difícil, pois o email de contato dela está no seu blog. Então decidi pelo menos tentar entrevistá-la a respeito da situação com a Rádio Globo (acho que é a primeira entrevista dela sobre o assunto) e sobre outras questões abordadas no blog.

A Letícia foi não só bastante prestativa comigo, mas também muito bem humorada nas nossas trocas de email, além de bastante rápida para responder as minhas perguntas. Devido à intenção de não revelar sua verdadeira identidade, ela pediu para que a entrevista fosse realizada por email, algo que eu já esperava.

Portanto, nessa semana, fujo um pouco do formato de vídeo que tenho utilizado até agora, e que continuará a ser predominante neste blog. Além disso, a conversa é com alguém que não conheço pessoalmente e que tem se tornado cada vez mais famosa, aspectos que também fogem da minha proposta inicial. Mas essas são coisas das quais abri mão para ter uma conversa bacana com alguém que foi bastante simpática comigo e que tem muito para dizer. Espero que curtam…


Primeiramente, explica para quem ainda não sabe: de que trata o teu blog e de onde veio a ideia?

Meu blog é sobre sexo. Eu comecei narrando alguns dos meus encontros sexuais, mas depois acabou virando um espaço onde falamos (eu e os leitores) sobre qualquer coisa que tenha sexo/relacionamento como pano de fundo.

Você acabou de passar por um problema com a Rádio Globo. O que tem a dizer em relação à ética da imprensa brasileira?

A história é toda muito surreal. Eles jamais entraram em contato comigo para me entrevistar, então essa história de que eles foram ludibriados é balela. Onde ficou a apuração? Qualquer estudante de primeiro ano de jornalismo saberia como me encontrar.

Eles pediram desculpas publicamente, no site deles. Chegaram a desculpar-se pessoalmete com você?

Eles me mandaram um email com o mesmo texto que publicaram no site. Eu os questionei sobre algumas coisas, como, por exemplo, pra qual rádio do nordeste eles ligaram. Eles não quiseram responder.

Você é jornalista e portanto conhece a imprensa de dentro. A questão da Rádio Globo te surpreendeu?

Muito. Eu sei que existe sensacionalismo e que isso vende jornal e gera clique. Mas inventar uma história? Isso foi longe demais.

Como foi esse lance de ser chamada de "nova Bruna Surfistinha"? Como você encarou essa história?

Eu fico irritada com a comparação porque as pessoas usam o nome dela de maneira pejorativa, como se qualquer mulher que goste de sexo seja, necessariamente, uma prostituta. É só por isso. Eu sei que a intenção é ofender.

E o que você acha da maneira como a imprensa trata o sexo em geral?

Acho que a imprensa trata o sexo como um tabu. Entendo, também, que para algumas publicações seja difícil escancarar a coisa. Afinal, a suposta "moralidade" está presente em vários lares brasileiros - e as pessoas precisam vender jornal pra alguém. Só acho que, aos poucos, poderíamos dar alguns passos para a abertura da mente das pessoas.

Seu blog fala muito em tabus em relação ao sexo. Quais são alguns dos mais comuns?

Pode parecer bobeira, mas as mulheres têm até vergonha de se masturbar. Até isso é tabu!!! Mas o que eu vejo é que as pessoas têm muita dificuldade com os rótulos. Elas têm fantasias que não condizem com a ideia de "heterossexualidade", e não sabem onde se enquadrar.

Como esses tabus afetam as pessoas?

Elas sofrem muito. Muito. Recebo relatos muito doloridos de pessoas que nunca tiveram um orgasmo, ou que têm nojo do parceiro, ou que se sentem culpadas por desejar alguém do mesmo sexo.

Mas o mundo não esta mais aberto em relação ao sexo?

Bom, eu não sei. Há quem diga que está acontecendo uma "contra revolução sexual". Se é isso que está rolando, espero que paremos com tamanha imbecilidade.

Todos os caras com quem você transa sabem que você é "a" Letícia do “Cem Homens”? Se não, como é isso quando eles descobrem?

Não. Todos os homens sabem que eu tenho uma vida sexual livre, mas não que eu tenho um blog. Eu saí com alguns leitores, e eles encaram numa boa. Alguns sentem uma curiosidade incrível de como eu os descreveria. Como eu parei de fazer isso, ficou mais tranquilo.

Você fala bastante em pessoas que te escrevem com abusos, xingamentos e até desejos de morte. São todos homens?

Não!!! No Tumblr (http://cemhomenssemnocao.tumblr.com/) você pode ver que tem muita coisa de mulher. Triste, não? Nós bem sabemos como é não poder exercer a sexualidade plenamente, não deveríamos impor limitações aos outros. Grande parte dos xingamentos vêm de anônimos, então não dá para saber o gênero.

Existe muito machismo entre as mulheres ainda? Como ele se diferencia do machismo masculino?

Como eu disse na resposta acima, o machismo feminino é ainda pior. Eu também já fui machista; até hoje repito conceitos machistas. A gente é criada pra isso. Mas eu tenho lido muito, conversado bastante, analisado meu próprio comportamento. Ainda não consegui me livrar de todo meu machismo, mas pelo menos estou tentando melhorar. O grande problema da própria mulher ser machista é que ela fica tentando se adequar a um padrão que não é satisfatório, e acaba ficando com homens medíocres. E infelizes, claro.

Imagino que a Letícia, por mais que seja só um pseudônimo para você, acaba criando um outro lado seu, quase que como um personagem real. Isso ocorre?

Eu não sou só Letícia, mas sou Letícia também.

Como você lida com essa dupla personalidade?

As pessoas é que confundem mais isso. Eu não tenho nenhum grilo; me chamam de Letícia ao telefone, por exemplo. E eu respondo como se estivessem me chamando pelo meu nome real.


Para os que quiserem conhecer o blog da Letícia, aí vai o endereço: www.cemhomens.com

Créditos:

Fotografia e Iluminação: Gabriel Delgado
Licença: http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/

Um comentário:

  1. Muito bom!!! Acho que questões de machismo, vindas de homens ou de mulheres, devem ser discutidas sempre! Todos precisamos ler, observar e refletir mais sobre isso. Afinal, muita gente não é acostumada a olhar para certas coisas da nossa vida diária e QUESTIONAR por que elas são assim, e aí infelizmente acabam perpetuando formas de opressão via machismo, e isso é muito complicado...

    Parabéns, Letícia e Ed, pela ótima conversa! =)

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